Maria Ortiz

Trabalho em campo realizado entre os anos de 2015 e 2017 na comunidade ribeirinha de Maria Ortiz em Colatina

Apresentamos o caso da comunidade de Maria Ortiz, sem dúvida, aquele que mais nos afetou pelas próprias características do lugar marcado pela mineração há muitas décadas, mas, também, pelas relações que estebelecemos com a comunidade que prontamente nos acolheu inclusive para nos fazer conhecer o rio do lado de dentro.



A comunidade de Maria Ortiz é formada, principalmente, por pescadores que estão nesse território há muitas gerações. O caminho para chegar lá é de estrada de chão batido e esburacada. Na verdade, a primeira impressão que se tem ao chegar em Maria Ortiz é de que se trata de um caminho, como se a comunidade em si estivesse logo adiante.

Mas, não. Trata-se de uma estrada onde de um lado existem quatro trilhos através dos quais passam os trens da empresa Vale carregados de minério de ferro em pó ou pelotas e do outro lado se enfileiram casas em um pedaço estreito de terra entre trilhos, estrada e o rio Doce. Ali vivem muitas famílias sem saneamento básico, em casas construídas com precariedade e rachadas pela trepidação dos trens. O espaço de lazer das crianças é essa estrada já que o rio está contaminado pela lama de rejeitos da barragem que rompeu.


A primeira ida à Maria Ortiz produziu em nós um extremo desconforto, em muitos sentidos. O calor sem trégua, a terra seca, vermelha e sem vegetação, o ambiente quase sem árvores, a paisagem que, numa visão para além dos trilhos, mostrava imensos blocos de granito empilhados e numerados (Esse lugar descrito trata-se de um “porto seco”, lugar onde se colocam os blocos de pedras que são extraídos da região e enviados para comercialização externa).


Atrás desses blocos pode-se ver uma parte de uma igreja que, mais tarde, soubemos tratar-se de uma igreja católica que foi sendo isolada progressivamente da comunidade até que perdeu sua função. Ali parados no sol, começamos a ouvir os relatos de diversas famílias e todo o tipo de problemas decorrentes do desastre. Em nossa primeira visita, durante uma roda de conversa, utilizando gravador e anotando aspectos mais importantes das falas, fomos surpreendidos por uma trepidação e barulho crescentes, algo que afetava diretamente o batimento cardíaco. Logo se tornava impossível ouvir as pessoas. Foi preciso parar e esperar o trem passar por quase 10 minutos sem parar, vagão atrás de vagão, carregado de minério de ferro - o mesmo minério que compõem a lama de rejeitos que passou a habitar no rio. A sensação era de uma terrível situação sem escapatória.


Essa comunidade passou a fazer parte da nossa rotina de campo e até hoje permanecemos em contato. Fomos acolhidos para reuniões e atividades na escola e em casas da região. Foi de um pescador dali, Sr. Fatim, que recebemos o convite para navegar pelo rio Doce pela primeira vez. Ele queria que sentíssemos a experiência do pescador. E nós pudemos sentir, parcialmente, já que aquilo que eles viviam antes do desastre estava perdido.

Ficamos tão marcados que para além do caso do desastre iniciamos um processo de discussão junto à Defensoria Pública do Espírito Santo sobre a cobertura dos vagões que transportam minério, com o objetivo de fazer pressão para que a empresa cumpra a legislação que determina desde 2017 que o transporte de materiais à granel ocorra em vagões cobertos.