Tensão

Trabalho de autoria de Diego Kern Lopes exposto pela primeira vez na Galeria de Arte e Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (GAP/UFES). em 2017 no Seminário Exposição Deslizes Monumentais e Sonhos Intranquilos

Durante as saídas de campo, além dos registros fotográficos, fazíamos, também, registros audiovisuais. Esses registros se mostraram necessários para captar algo que as fotografias e textos, em função de sua natureza, não conseguiam: o som. Durante todas as nossas incursões nas comunidades afetadas por esse desastre um dos nossos desafios era vencer o barulho avassalador gerado pelos trens da Vale (como percebe-se no áudio da entrevista com o Sr. Valmor em “testemunhos”) que percorrem de forma quase paralela a extensão do Rio Doce atingindo, assim, grande parte dessas comunidades afetadas com as quais trabalhávamos. Nossa dificuldade, literal, em escutar as falas dos atingidos é análoga à dificuldade que essas pessoas enfrentam historicamente para serem respeitadas em seus modos de vida que resistem apesar da mineração desenfreada que marca toda a bacia do Rio Doce.

Nesse trabalho apresentamos os registros audiovisuais dos depoimentos das populações ribeirinhas atingidas assim como registros audiovisuais da intensa movimentação dos trens da empresa Vale que transportam o minério de ferro extraído em Minas Gerais para ser descarregado e exportado através do porto de Tubarão em Vitória, no Espírito Santo. A exposição do trabalho consiste na projeção de ambos os registros, lado a lado. Entretanto, o áudio dos mesmos é coordenado por uma alavanca situada entre os dois projetores. A alavanca, em sua posição de repouso garantida por uma mola, transmite somente o áudio – avassalador – dos trens. Para escutar o áudio dos depoimentos dos atingidos, o público deve acionar a alavanca tensionando, dessa forma, a mola. Esse tensionamento faz com que o espectador seja envolvido (afinal é preciso, além de deliberar, manter de forma física a deliberação do acionamento) no depoimento dos atingidos.

Posteriormente, desenvolvemos uma versão portátil do trabalho Tensão que se desdobrou de duas maneiras. A primeira versão portátil do mecanismo ainda necessitava que o espaço que a hospedaria dispusesse de dois projetores para a sua instalação e funcionamento. Tal característica acarretava, em nossa perspectiva, dois problemas a serem refletidos e resolvidos: um de ordem técnica e um de ordem poética. O de ordem técnica resumia-se ao fato de que sempre eram necessárias certas condições ao espaço que receberia o trabalho, como por exemplo, dispor de dois projetores e dois computadores. Tal necessidade acabava por limitar os espaços de exposição e ação, dificultando assim a divulgação de nossas propostas de pesquisa. Um segundo aspecto era de ordem poética. A partir das experiências expositivas começamos a perceber que a projeção das imagens desviava o foco da proposta do trabalho. Por mais que tivéssemos tido o cuidado de não estetizá-las, de nunca, por questões de proteção e salvaguarda dos depoentes, filmar de forma a identificar rostos, as imagens acabavam absorvendo a experiência do espectador. Associado a isso também percebemos que o conjunto de informações (imagem/som) e decisões (acionamento da alavanca) acabava por saturar a experiência com o trabalho. Diante disso, decidimos realizar alterações e configurar a segunda versão portátil do trabalho. Retiramos os vídeos deixando apenas o áudio dos registros. Dessa maneira, tecnicamente, o dispositivo ficou independente. Todos os equipamentos necessários para a sua instalação estão contidos nele mesmo, o que ampliava o leque de lugares onde ele poderia ser exposto. Bastava apenas ligá-lo na tomada. Da mesma forma, a exclusão das imagens na versão portátil permitia que o público se concentrasse na escuta e na deliberação da escuta, o que nos parecia mais de acordo com a proposta poética do trabalho.